É comum ouvirmos que as indignações sociais que tomaram às ruas do país em Junho de 2013 foram o ponta pé para a ascensão do governo neo-fascista de Jair Bolsonaro. Mas será este mesmo o caso, ou esta será mais uma manobra das esquerdas institucionais para eliminar o caráter combativo e classista das manifestações de rua? E por que estes setores políticos temem a radicalização popular em manifestações? Aqui apresentaremos uma análise daquele fenômeno social à luz de uma abordagem libertária.
Em 2013, eclodem por todo território nacional manifestações de ruas massivas, nas quais alguns setores das camadas sociais atuaram de forma radical e combativa, atacando os principais símbolos do capitalismo internacional e do poder estatal como, bancos, nacionais e internacionais, shopping centers, redes de supermercado estrangeiras, lanchonetes de franquias internacionais, revendedoras de carros importados, câmaras de vereadores, até mesmo o Planalto Central e etc. Mas o que estava havendo para levar a população a tamanha indignação? O estopim foram o aumento nas tarifas de transportes urbanos, onde na maioria das capitais o empresariado subiu em 0,20R$ as tarifas de ônibus. Logo a classe estudantil toma às ruas massivamente em protesto a esses aumentos, que oneravam principalmente as camadas mais pobres de trabalhadores. A resposta dos poderes políticos foi mandar as forças de segurança para cima dos manifestantes e dispersar os mesmos custasse o que custasse. A violência policial foi alarmante. Isso gerou indignação social generalizada. Mas por que? Afinal, não é novidade o uso de violência contra manifestações de rua por parte da polícia. No contexto estava em questão os investimentos para infraestrutura, para execução dos chamados Mega-Eventos, Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas, que foram sediados no Brasil. Esse cenário causou uma fuga de investimentos dos setores prioritários, como saúde, educação e moradia, causando a indignação social do povo, que se sentiu abandonado em suas demandas pelo dito governo de esquerda que se preocupava mais com sua autoimagem internacional e em garantir o divertimento das classes burguesas estrangeiras em solo nacional. Logo surge o slogam amplamente visto em cartazes e palavras de ordem "Não é só pelos 0,20R$ (20 centavos)". Então, basicamente, o que levou à radicalização das manifestações foram a violência policial desproporcional e o descaso dos gestores políticos com as demandas prioritárias do povo. A vitória foi parcial, com o congelamento das tarifas de transportes urbanos em mais de 200 cidades do país, mas os Mega-Eventos se realizaram e as contra partidas, em sua ampla maioria, nunca saíram do papel (as ciclovias e o VLT em Natal nunca surgiram).
O ano seguinte foi de eleições presidenciais. A presidente Dilma Rousseff conseguiu a reeleição no segundo turno, em disputa direta com Aécio Neves, por uma margem muito pequena. A direita percebeu que havia certo suporte social para uma candidatura futura. Foi o momento de unir os vários setores da direita e do empresariado e intensificar os ataques na via burocrático/parlamentar ao então governo do PT. Isto é, mesmo com a indignação social massiva do ano anterior (2013), houve êxito da esquerda institucional na reeleição da presidente Dilma, porém setores da direita se valeram do tradicional racha do campo progressista e, deixando suas diferenças internas de lado momentaneamente, se unem para a tomada do poder nos corredores institucionais.
O golpe, e consequentemente a ascensão do governo neo-fascista começa com a instalação da investigação da Lava Jato, que se deu para averiguar a corrupção dentro da maior estatal do país, a PETROBRÁS. A esquerda lutou contra essa investigação mas perdeu, depois tentou que a mesma se desse em torno de toda a história da PETROBRÁS, nova derrota (primeira vitória efetiva do golpe parlamentar), a investigação se restringiria apenas ao período dos governos PTista. É fabricado assim o maior escândalo de corrupção da história do país, amplamente explorado pela mídia hegemônica burguesa, que passa a "demonizar" as principais lideranças do PT, inclusive exaustivamente caçando midiaticamente o principal nome deste partido, o ex-presidente Lula, com matérias cotidianas sobre um apartamento no Guarujá no que ficou famoso como "o triplex do Guarujá". Aqui já estamos em 2015, aproveitando-se dessa visibilidade midiática e a comoção social que a mesma gera, entra em cena a verdadeira "Revolução Colorida" do Brasil, a tomada massiva das ruas pelas classes médias financiadas pelas elites políticas e empresariais, cujo o símbolo maior era o uso pelos manifestantes da camisa da seleção brasileira de futebol. Uma cena emblemática desses protestos é a de uma babá empurrando um carrinho de bebê duplo, de gêmeos, sendo entrevistada e afirmando estar lá a serviço, cuidando das crianças, enquanto seus patrões manifestavam sua indignação com o governo do PT. A palavra de ordem mais conhecida dessas manifestações era o "tchau Dilma", o adeus à então presidenta, a pauta reinvidicativa que deu o tom, o vazio discurso contra a corrupção (como se qualquer político profissional fosse alguma vez à público declarar que apoia a corrupção).
O golpe parlamentar se consolida em 2016, com o impedimento da presidenta dado as chamadas "pedaladas fiscais", que é pegar investimentos de setores outros para cobrir a folha de pagamento dos funcionários públicos (coisa que a maior parte dos prefeitos e governadores faziam e ainda fazem) e que, vale destacar, deixou de ser crime um dia depois da deposição da presidenta. Nesses fatos a partir de 2015 estão contidos os elementos da real "revolução colorida" que houve no Brasil.
Mas por que as esquerdas partidárias institucionais insistem tanto na narrativa de responsabilização das Jornadas de Junho, em 2013, como sendo o fator preponderante da ascensão neo-fascista e convenientemente esquecem não apenas da vitória eleitoral de Dilma Rousseff no ano seguinte e das manobras de gabinete da Operação Lava Jato e do papel da mídia hegemônica burguesa na deslegitimação da imagem pública do então governo PTista? Porque toda a esquerda institucional almeja gerir o poder e suas forças de repressão de modo a ter o controle social do povo, é cômodo para essas camadas políticas esquecerem a violência policial que deu início à radicalização dos protestos em 2013 porque querem manter a legitimidade dessas instituições para quando no dia em que estiverem nas cadeiras poder possam dar a estas o mesmo uso, a saber, usar da violência contra o povo para garantir os privilégios de uma classe gestora. Ainda fica constatado que essa postura de hipervalorização da via institucional, eliminando a combatividade do leque de táticas a serem usadas para avanço da melhoria das condições de vida, têm nos levado à repetidas derrotas. Em 2016 fomos às ruas sob o leme Fora Temer, Temer ficou, depois veio a campanha Ele Não, deu Ele sim e agora o Fora Bolsonaro não surtiu efeito e este vai acabar seu mandato apesar de todos os absurdos e de suas "boiadas" passando livremente, servindo esta referida # apenas como palanque eleitoral, ampliando a domesticação das indignações sociais.
Vale salientar que Natal teve um papel preponderante nas revoltas das Jornadas de Junho, pois já vinha de dois anos consecutivos de lutas radicalizadas contra a então prefeita da cidade Micarla de Souza (Partido Verde) e tendo sucesso no congelamento das tarifas de ônibus (que sempre que aumentam inflaciona muito mais a vida das camadas mais vulneráveis). Outro fator do pioneirismo de Natal na combatividade classista daqueles eventos é o reconhecimento internacional pelo jornal estadunidense The New York Times de 18/06/2013: https://www.nytimes.com/2013/06/18/world/americas/thousands-gather-for-protests-in-brazils-largest-cities.html “Protestos similares (aos de ontem) emergiram em maio, em Natal, uma cidade no nordeste do Brasil, e, neste mês, em São Paulo, após as autoridades majorarem o preço das passagens de ônibus” que trazia em destaque, na sua capa, as manifestações no Brasil que tinham ocorrido um dia antes em várias capitais (e apesar de naquele 17/06, especificamente, não ter havido protestos em Natal, o jornal internacional fez questão de relembrar que naquele ano tudo começou aqui, mais especificamente em 15/05/2013).
Coletivo Autônomo Lima Barreto.
RECC/FOB-RN.
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